quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Como ontem.


Eu era apenas um estudante mal encaixado que preferia riscar as mesas da escola a conversar sobre as futilidades da vida. Engolia em mim mesmo as palavras por falta de ouvidos que me compreendessem. Desesperado em traduzir-me, encontrei a poesia, a mais pura forma de manifestação daquilo que se é. E assim, como um grito para mim mesmo, em dezenove de setembro de 2010, tive o meu primeiro filho: Palavras de Mesa. Um convite secreto para aqueles que quisessem saborear o que há de poesia pelo mundo. Fiz o meu próprio restaurante verbal, elaborei minhas próprias receitas linguísticas e tracei no cardápio as palavras que me cozinhavam. Como todo filho, os primeiros passos foram confusos e sem prumo. Mas aos poucos pude aperfeiçoar minha técnica e ampliar meu sensitivo às coisas que me rodeavam. Após exatos três anos, o Palavras de Mesa hoje está maduro e reflete também muito da minha 'amadurescência'. Se viver é deixar rastros, crescer é deixar mudas, e os textos que estão aqui refletem o meu crescimento. Agradeço muito ao blog pelos bons momentos que vivemos juntos, mesmo ele sendo fruto da minha inquietação, mas é como se houvesse uma parceria, um compromisso de reafirmar dia após dia aquilo que sou. Hoje, as receitas estão cada vez mais rareando, fruto da minha correria diária, do meu investimento de tempo no meu outro filho 'rivaldo junior da silva' e também devido o meu desleixo. Pode ser que não venha mais publicar algo aqui. Mas também pode ser que volte pra matar a saudade. Todavia, a mesa estará sempre posta, a casa estará sempre aberta, e a poesia será sempre o alimento que nos nutre.
Abraço e feliz aniversário, Palavras de Mesa.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Elegia 1938 (Carlos Drummond de Andrade)



Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, 
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan. 

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Construção (Chico Buarque)




Amou daquela vez como se fosse a última,
Beijou sua mulher como se fosse a última,
E cada filho seu como se fosse o único,
E atravessou a rua com seu passo tímido...
Subiu a construção como se fosse máquina,
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas,
Tijolo com tijolo num desenho mágico,
Seus olhos embotados de cimento e lágrima...
Sentou pra descansar como se fosse sábado,
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe,
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago,
Dançou e gargalhou como se ouvisse música...
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado,
E flutuou no ar como se fosse um pássaro,
E se acabou no chão feito um pacote flácido,
Agonizou no meio do passeio público...

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.

Amou daquela vez como se fosse o último,
Beijou sua mulher como se fosse a única,
E cada filho seu como se fosse o pródigo,
E atravessou a rua com seu passo bêbado...
Subiu a construção como se fosse sólido,
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas,
Tijolo com tijolo num desenho lógico,
Seus olhos embotados de cimento e tráfego...
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe,
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo,
Bebeu e soluçou como se fosse máquina,
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo...
E tropeçou no céu como se ouvisse música,
E flutuou no ar como se fosse sábado,
E se acabou no chão feito um pacote tímido,
Agonizou no meio do passeio náufrago...

Morreu na contramão atrapalhando o público.

Amou daquela vez como se fosse máquina,
Beijou sua mulher como se fosse lógico,
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas,
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro,
E flutuou no ar como se fosse um príncipe,
E se acabou no chão feito um pacote bêbado...

Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Caminho (Camilo Pessanha)



Tenho sonhos cruéis; n'alma doente 
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente... 

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!... 

Porque a dor, esta falta d_harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora, 

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.   


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Coração em Desalinho (Monarco)




Numa estrada dessa vida,
Eu te conheci, oh Flor!
Vinhas tão desiludida,
Mal sucedida,
Por um falso amor...

Dei afeto e carinho,
Como retribuição procuraste um outro ninho,
Em desalinho, ficou o meu coração.
Meu peito agora é só paixão.

Tamanha desilusão,
Me deste, oh Flor!
Me enganei redondamente.
Pensando em te fazer o bem,
Eu me apaixonei!
Foi meu mal...

Agora!
Uma enorme paixão me devora,
Alegria partiu, foi embora.
Não sei viver sem teu amor,
Sozinho curto a minha dor...

Sozinho curto a minha dor.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

Soneto XIII; Via-Láctea (Olavo Bilac)




"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
 Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

geralmente, da pior forma possível




eu quis fazer um poema
que retratasse a insônia perdida,
e a esperança enforcada.
o medo feliz e a realidade dura.
pra evitar novas decepções.

eu quis fazer um poema
que mostrasse um mundo novo,
pessoas acordando,
dando abraços e risadas.
e fogos de artifício
pra enganar a realidade.

eu quis fazer um poema
que não fizesse referências
ao que eu sou
em carne, osso e tristeza.
para não sofrer ainda mais,
tão moço eu sou.

mas o poema que me veio, senhores,
da janela do meu quarto,
foi um circo de lona alaranjada,
secando frio depois da chuva.
decepcionado,
real,
eu.

Rivaldo Júnior

Canteiros (Fagner)





Quando penso em você,
Fecho os olhos de saudade.
Tenho tido muita coisa,
Menos a felicidade.
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento.
Nem aquilo a que me entrego
Já me dá contentamento.


Pode ser até manhã,
Sendo claro, feito o dia,
Mas nada do que me dizem me faz sentir alegria.


Eu só queria ter do mato um gosto de framboesa,
Pra correr entre os canteiros e esconder minha tristeza.


E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza...
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte
- Ou coisa parecida -
E nos arrasta, moço,
Sem ter visto a vida.


É pau, é pedra, é o fim do caminho.
É um resto de toco, é um pouco sozinho.
É um caco de vidro, é a vida, é o sol.
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol.


São as águas de março fechando o verão
É promessa de vida em nosso coração.

sábado, 22 de junho de 2013

Se os tubarões fossem homens (Bertold Brecht)


    Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?
    Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adotariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.
    Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.
    O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.
    Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.
    Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.
    Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.
    Se os tubarões fossem homens também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.
    Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar. 


quinta-feira, 30 de maio de 2013

um resumo da vida de cristóvão colombo neto



era uma vez,
um rapaz magrelo
de cabeça grande,
que usava suéter
verde-petróleo,
para combinar
com as meias metidas
no sapato social.

um belo dia,
o rapaz magrelo
abandonou a família,
caiu no mundo.
decidiu ser músico,
viver de rock'n'roll.
sumiu como fumaça,
gritou à meia noite
no farol vermelho
do cruzamento
do centro da cidade.
virou lenda,
usou turbante,
tatuou o nome da sua mãe
num coração
no braço direito,
tirou a roupa
em praça pública,
fumou maconha
e fez amor com
trinta e sete mulheres
diferentes em um mês.
deixou o cabelo crescer,
usou rastafári,
raspou a cabeça,
chapéu panamá.
aos vinte e nove anos,
já havia cruzado
a fronteira do paraguai
quarenta e duas vezes
e nunca se arrependera
em toda a sua vida.
não conhecia o tempo,
a dor e a censura.
chegou na venezuela,
embarcou em cuba,
atravessou o deserto,
o sol de miami beach.
virou marujo
em plena flórida
e nunca alcançou a califórnia
e a vida, não aprendeu
sequer a nadar.
navio seguiu,
le champ des femmes,
atlântico, frança,
chegou em paris.
buscou o oriente,
andou sem parar,
praga, kiev, rússia,
cáspio, teerã, cabul,
paquistão, nova délhi.
descobriu as índias,
comeu hiduísmo,
banhou-se no ganges
e encontrou-se ali.

até que envelheceu,
pintou os cabeloS,
pagou o ipva, iptu e inss.
fez o depósito no banco,
a parcela do cartão,
chegou em casa
cansado e frio,
abriu o guarda-roupa,
vestiu o suéter
verde-petróleo.
parou de inventar histórias.


Rivaldo Júnior

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Com açúcar, com afeto (Chico Buarque)





Com açúcar, com afeto, fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa, qual o quê!

Com seu terno mais bonito, você sai, não acredito
Quando diz que não se atrasa.

Você diz que é um operário, vai em busca do salário
Pra poder me sustentar, qual o quê!

No caminho da oficina, existe um bar em cada esquina
Pra você comemorar, sei lá o quê!

Sei que alguém vai sentar junto, você vai puxar assunto
Discutindo futebol...

E ficar olhando as saias de quem vive pelas praias
Coloridas pelo sol.

Vem a noite e mais um copo, sei que alegre ma non troppo
Você vai querer cantar!

Na caixinha um novo amigo vai bater um samba antigo
Pra você rememorar.

Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança
Pra chorar o meu perdão, qual o quê!

Diz pra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de vida
Pra agradar meu coração.

E ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado,
Ainda quis me aborrecer? Qual o quê!

Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato
E abro os meus braços pra você.


quinta-feira, 9 de maio de 2013

Baby (Gal Costa)



Você precisa saber da piscina
Da margarina, da Carolina, da gasolina.
Você precisa saber de mim.
 

Baby, baby, eu sei que é assim.

Você precisa tomar um sorvete
Na lanchonete, andar com a gente, me ver de perto.
Ouvir aquela canção do Roberto.


Baby, baby, há quanto tempo.


Você precisa aprender inglês,
Precisa aprender o que eu sei
E o que eu não sei mais,
E o que eu não sei mais.
Não sei, comigo vai tudo azul,
Contigo vai tudo em paz...


Vivemos na melhor cidade
Da América do Sul, da América do Sul!


Você precisa, você precisa, você precisa...


Não sei, leia na minha camisa:
Baby, baby, I love you!

Poeminha sentimental (Mário Quintana)





O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta,
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora.
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.


segunda-feira, 29 de abril de 2013

minha veneração aos anjos.



eu não sou muito de escrever nesse estilo. como já pôde ser visto, minha área mesmo é poesia, e vez ou outra um conto arriscado. mas ultimamente, inspirado principalmente por dois fatores recentes, me acendeu essa vontade de aproximar minha poética à realidade, e construir textos mais táteis que líricos. cada qual com sua graça. o primeiro fator que me influencia falar de outra forma aquilo que digo foi um recente trabalho para a universidade propondo-nos um ensaio. a liberdade dos ensaios e das crônicas são, de forma singular, alívios em meio a tanto formalismo. o segundo e mais importante, foi a influência de um bom amigo (Guilherme Mota, e seu blog bula do pensamento) e a franqueza com que suas palavras interferem no curso natural das coisas, explodem a realidade e tiram uma seiva de filosofia por trás desse cotidiano tão mecânico que vivemos. bem, o propósito desse texto nasceu daí. 
vi, dele, um texto que mostra como uma notícia vista no jornal nacional marcou a sua realidade (em termos resumidos, um pai que se joga sobre a filha em um tiroteio, entregando à bala a sua vida - me perdoem a frieza do resumo, mas as poucas palavras têm esse efeito e a notícia é bem melhor retratada no blog dele, acesso pelo link supracitado). a notícia é muito triste, mas o autor a trata de tal modo que mais importante que a tragédia real é a lição deixada. um herói.
o meu relato também fala de uma notícia vista no jornal nacional. hoje ainda. uma briga num restaurante, dois homens, duas irmãs e filhas, um revólver, três tiros, uma vítima, um choro. a filha mais nova de um senhor que reclamou da conta de um restaurante de goiás tornou-se vítima de uma covardia incomensurável, quando se jogou na frente do pai, tentando protegê-lo de um monstro que, mesmo vendo duas crianças abraçadas ao pai, dispara três tiros fatais. terminou a notícia, permaneci parado na frente da televisão, em pé e encostado na parede. engoli seco, aguentei.
o amor é o sentimento mais desesperado que existe. perde-se a vida pela pessoa amada. não tem como ficar indiferente à cena do sacrifício. uma criança. william bonner continuou o noticiário, mas eu já não pensava mais. uma criança. por que? qual o valor que formamos hoje em dia? uma criança morta. não tem como não chorar. é vergonhoso saber a que ponto de insensibilidade chegamos. troca-se vidas como trocos de bala. é melhor destruir tantos sonhos que sair por baixo da situação. claro, não se pode ficar por baixo, é preciso descontar. em quem? uma criança?
queria muito poder sonhar com um dia em que meus filhos não precisem saber o significado da palavra arma nem muito menos que homens a utilizam para sanar suas fragilidades de caráter à custa de vidas. uma criança como muitas outras, com sonhos, esperanças, ricas, pobres, teimosas, sorridentes... como meus filhos!
o que fazer além de escrever meu choro e enxugar minhas palavras? apenas nos resta nossa incapacidade. nosso horror em meio a tudo isso. nosso desespero coletivo compartilhado com o pai. meus sentimentos que não se traduzem em frases.
o fim dessa história difere da do meu amigo. não vejo lição no meu causo. vejo dor e vergonha. e só. e uma criança heroína, que também, sim também, me marcará para sempre.

Talvez (Pablo Neruda)




Talvez não ser
é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando
o meio dia com uma
flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém
soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,
rajada de roseira,
trigo do vento,

E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos...

sábado, 27 de abril de 2013

humor aquoso


meu último lamento
vai ser aquilo que encontrei
dentro do lado de dentro do lado
desses teus dois olhos grandes.

vejamos bem, isso tudo não foi/é por acaso.
melhor seria, talvez, se pudéssemos criar nosso único universo
sem interferências
nem desilusões.
mas assim, já tão tarde,
o espelho manchado de sabonete e vapor,
não resta dúvidas.

podemos tentar mais uma vez,
há sempre uma nova possibilidade para sofrermos juntos.
e, não, não acredito mais em tantas mentiras.
já são sete da noite, veja, a rua está vazia.

vazia.

a gente deixar voar.
o vento traz de volta.
pra dentro dos olhos.
sim, eu sei,
sou eu a angústia
que escorre desses teus dois olhos grandes.

Rivaldo Júnior

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O céu é mais azul ao meio-dia





eu no chão
olho pro céu
e vejo um pássaro voando.
o pássaro voando
parece que nada
no azul infinito.
ele não pode
sequer imaginar
que eu o vejo
voando como quem nada.
eu olhando para o céu
também voo.
e vamos nós dois
voando e nadando.
ele lá e eu cá
não podemos imaginar
que as coisas
que são
como são,
assim são
porque assim deve ser.


Rivaldo Júnior

quarta-feira, 13 de março de 2013

às vezes me atrevo na prosa...


Lembro de uma vez quando contava com sete anos. De minha irmã, cortando as paredes de minha rua com o seu grito. Nome e sobrenome acompanhado de "venha tomar seu banho que já é tarde!" Doces suspiros de insônia invadem meu peito, já a essa hora. Que me trazem essas memórias senão doces suspiros de insônia? Aos poucos, o tempo passa e evolui. Lembranças são moldadas e dirigidas àquilo que chamamos de nosso destino. Moldada: gosto dessa palavra. Me lembra barro e mãos. E um produto final bem produzido. Ou não. Depende do talento, das mãos e da velocidade do processo. Moldada. Minha vida segue moldada a rumos que nem eu pudera antes disto tudo ousar-me prever. O sítio simples com três ou quatro caprinos, um papagaio de parede e uma parede branca. Que lua medonha faz hoje, veja. A lua me traz lembranças de medo de lobisomens e de almas penadas. Quem pode controlar a imaginação de uma criança, ora. Subitamente me afasto dessas coisas – procuro um copo d’água e um lugar onde vente. Já não vale mais a pena essas pessoas. Tenho amigo adoráveis, digo, adoráveis. Sim, sim. Fomos ao teatro. Dois passos, risadas, bar. Eles vivem tão distante. Pensam tão distante. Flutuam em uma necessidade talvez não necessária. Necessito ir urgente ao dentista. Minha blusa de botões azul. Alguém deve salvá-los. Alucinados vivem na fantasia que constroem. Não conseguem palpar uma realidade tão palpável. Absorva-os. Faço um conto que amarre minha loucura. Meu Deus, porque sou tão diferente? Compensai minha diferença dos demais com coisas e pessoas ou pessoas adaptáveis. Não entendo a burocracia pré-meridional neocontemporânea e mesocosmopolita. Ela nos afasta do que somos. É como se lambuzar de mel e não sentir o doce gosto. Mas sentir por observação alheia. Fingir ser, sabe. Porque somos então? Troque de CD, prefiro Pixinguinha. Meus conhecidos sentem pena de mim. Não dizem, nem declaram; mas posso ver. Coitados, foi o que eu disse ao descer a minha rua, só. Coitados. Preciso trocar as pilhas do meu relógio, atrasa, não é ainda meia-noite, duvido. Um show de cultura popular sempre me desperta algo. Gosto de café frio e parece que ando amando uma menina. Ela usa calça jeans. Sorri, e eu também. Mas porque eles fazem tantas perguntas? Tenho que dedicar mais do meu tempo àquilo que me interessa. Viagens, projetos literários, poesia e mais uma xícara de café. Coisas óbvias que, porém, ninguém vê. Nega-se de repente por essência. Talvez aquela psicologia freudiana que tanto me agrada me acalente à noite. Aquele frio solitário em meu peito. Porque não? Dúvidas, dúvidas, dúvidas! Porque tanto me perseguem? Me lembro do Recife e de novos amigos a conhecer. Poderia. Poderia me mudar, recomeçar minha vida, criar galinhas no quintal. Eu queria conhecer mais aquela jovem poetisa da outra rua, que sempre tem água escorrendo. A rua. Poderíamos sair, não? Cantar por aí. Não canto em canto nenhum. Nem na China. Tenho que rever os papéis da minha aula. Preparar assunto, refazer adolescentes rebeldes, criar pais. A ciência tem e não teme à necessidade de explicação. Aqueles meus amigos! Minha mente é um turbilhão de tempestades e todo raio insiste em cair no mesmo lugar. Minha crise existencial, meu sopro de inconsciência, minhas sessões de meditação indiana: preciso dedicar mais tempo. E a mim mesmo. Porque pouco a pouco, dia a dia, deixamos de ser os mesmos. Está na hora de você aceitar, crescemos. Amo minha nova cidade, tenho amigos distintos e afazeres que muitas vezes compensam novas frustrações. Me recorda agora, aquela doce atriz que conheci. Sorria com os cabelos, e eu também. Meu coração, coitado, batia feliz, quando a via não sei o porquê. Coitado. Deve ter casado já. Há anos não me manda um convite para um novo espetáculo. Fomos ao teatro.

Rivaldo Júnior

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Anunciação (Alceu Valença)




Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal.

No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento,
E o sol quarando nossas roupas no varal...

A voz do anjo sussurrou no meu ouvido,
Eu não duvido, já escuto os teus sinais.
Que tu virias numa manhã de domingo,
Eu te anuncio nos sinos das catedrais...
Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

pedaço












a vida que faço
no passo que corro
ultrapassa meu traço,
no espaço, discorro.
disfarço o laço,
realço o socorro
do pedaço que vive
enquanto eu morro.






Rivaldo Júnior

coisas que são da vida e apenas são




sou culpado do meu próprio assassinato.
sou gás carbônico da minha própria fotossíntese.
tal como o fogo respira o ar,
e o ar dissipa a chama,
sou tragado por minha própria covardia
e baforado em fumaça cinza-doce
a altura dos olhos
meus.

não assisto o mesmo erro duas vezes
 
não perdoo a minha face frente a frente. 
não espero, 
pois esperar me corrói 
as faces da 
velha assombração 
que me embriaga. 
deixo-me voar e ser conduzido 
pelo amargo gosto 
do uísque barato perdido 
na estante 
da sala de estar. 
e vou crendo nisso tudo que dizem que sou 
fazer o quê? 
é da vida acreditar e 
ser o que dizem... 
por medo. 
sou isso tudo mesmo. 
fotossíntese, erro, voar...
é da vida.


Rivaldo Júni
or

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

poema para um anjo








uma criança morreu na minha rua hoje a tarde.
não sei quem era.
não sei o porquê.
morreu, o choro, a mãe, a tarde na minha rua.
seus sonhos devem ter voado, bem alto.
pra deus.
eu fiquei triste, não sei quem era, nem sei o porquê...

o infinito se desdobra a cada novo big bang. 


Rivaldo Júnior

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

caramela






vou escrever teu nome com açúcar
dentro d'uma frigideira
e cozinhar em fogo baixo
até derreter.


Rivaldo Júnior


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

um hai-kai pra todo o verão







pingos de ouro
no meio da seca: 
ipês em flor.


Rivaldo Júnior

ninguém entende o som que sai da boca que come e canta







meu inconsciente pede uma voz
para se apresentar na sala de jantar às seis com os convidados e a música.
não sei se é válido, se podemos e queremos
mas como tudo acontece tão rápido
esquecemos e não podemos mentir.
porque tanta mentira?

não precisamos mentir.
já não bastasse as dores que nos levantam da cama,
nos embrulham no dia,
todo santo dia,
a mesma coisa.

porque não falar de coisas táteis, ora?
veja, dois e dois são quatro e a vida vale a pena...
faz sentido ser assim, gullar garante.
porque tanta coisa?

eu não esperaria que você me entendesse.
não espero.
não, não a essa hora, e assim, desse jeito, não.
e já faz tempo.


Rivaldo Júnior

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

o som das pedras ao entardecer







às vezes minto quando respiro.
minhas verdade todas caem na terra da tua onipotência.
e viram pó, como diz a profecia.
a voz rouca da minha garganta
                - não é mais a mesma do deserto -
tanto faz para o mundo,
                é mais um, menos um.
pouco só, construo os meus passos
                                        rasos, pó.
estou esperando,
vive-se esperando no país do futuro.

não há estatísticas que deem o dom da visão
                               em tempos sombrios, navega meu coração
                               ancorado na velha esperança
                               da juventude.

mas você quer mesmo rimas em um poema doente:
aí estão:

Nessa vida tudo vale,
Crer, crescer e obedecer.
Antes que o corpo cale
O que a alma quer dizer.


calei-me.


Rivaldo Júnior

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Soy Loco Por Ti, America (Caetano Veloso)







Soy loco por ti, América
Yo voy traer una mujer playera
Que su nombre sea Marti
Que su nombre sea Marti...

Soy loco por ti de amores,
Tenga como colores
La espuma blanca
De Latinoaméric!a
Y el cielo como bandera
Y el cielo como bandera...

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores.
Sorriso de quase nuvem
Os rios, canções, o medo...
O corpo cheio de estrelas,
O corpo cheio de estrelas!

Como se chama amante
Desse país sem nome
Esse tango, esse rancho
Esse povo, dizei-me, arde
O fogo de conhecê-la
O fogo de conhecê-la ...

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores...

El nombre del hombre muerto
Ya no se puede decirlo, quién sabe?
Antes que o dia arrebente
Antes que o dia arrebente...

El nombre del hombre muerto
Antes que a definitiva
Noite se espalhe em Latino américa,
El nombre del hombre
Es pueblo, el nombre
Del hombre es pueblo...

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores...

Espero o manhã que cante
El nombre del hombre muerto
Não sejam palavras tristes,
Soy loco por ti de amores!

Um poema ainda existe
Com palmeiras, com trincheiras
Canções de guerra
Quem sabe canções do mar.
Ai hasta te comover
Ai hasta te comover...

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores...

Estou aqui de passagem
Sei que adiante
Um dia vou morrer
De susto, de bala ou vício
De susto, de bala ou vício...

Num precipício de luzes
Entre saudades, soluços
Eu vou morrer de bruços
Nos braços, nos olhos
Nos braços de uma mulher
Nos braços de uma mulher...

Mais apaixonado ainda
Dentro dos braços da camponesa
Guerrilheira, manequim, ai de mim
Nos braços de quem me queira
Nos braços de quem me queira...


Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores...