segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Construção (Chico Buarque)




Amou daquela vez como se fosse a última,
Beijou sua mulher como se fosse a última,
E cada filho seu como se fosse o único,
E atravessou a rua com seu passo tímido...
Subiu a construção como se fosse máquina,
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas,
Tijolo com tijolo num desenho mágico,
Seus olhos embotados de cimento e lágrima...
Sentou pra descansar como se fosse sábado,
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe,
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago,
Dançou e gargalhou como se ouvisse música...
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado,
E flutuou no ar como se fosse um pássaro,
E se acabou no chão feito um pacote flácido,
Agonizou no meio do passeio público...

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.

Amou daquela vez como se fosse o último,
Beijou sua mulher como se fosse a única,
E cada filho seu como se fosse o pródigo,
E atravessou a rua com seu passo bêbado...
Subiu a construção como se fosse sólido,
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas,
Tijolo com tijolo num desenho lógico,
Seus olhos embotados de cimento e tráfego...
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe,
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo,
Bebeu e soluçou como se fosse máquina,
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo...
E tropeçou no céu como se ouvisse música,
E flutuou no ar como se fosse sábado,
E se acabou no chão feito um pacote tímido,
Agonizou no meio do passeio náufrago...

Morreu na contramão atrapalhando o público.

Amou daquela vez como se fosse máquina,
Beijou sua mulher como se fosse lógico,
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas,
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro,
E flutuou no ar como se fosse um príncipe,
E se acabou no chão feito um pacote bêbado...

Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado.


Nenhum comentário:

Postar um comentário