quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Soy Loco Por Ti, America (Caetano Veloso)







Soy loco por ti, América
Yo voy traer una mujer playera
Que su nombre sea Marti
Que su nombre sea Marti...

Soy loco por ti de amores,
Tenga como colores
La espuma blanca
De Latinoaméric!a
Y el cielo como bandera
Y el cielo como bandera...

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores.
Sorriso de quase nuvem
Os rios, canções, o medo...
O corpo cheio de estrelas,
O corpo cheio de estrelas!

Como se chama amante
Desse país sem nome
Esse tango, esse rancho
Esse povo, dizei-me, arde
O fogo de conhecê-la
O fogo de conhecê-la ...

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores...

El nombre del hombre muerto
Ya no se puede decirlo, quién sabe?
Antes que o dia arrebente
Antes que o dia arrebente...

El nombre del hombre muerto
Antes que a definitiva
Noite se espalhe em Latino américa,
El nombre del hombre
Es pueblo, el nombre
Del hombre es pueblo...

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores...

Espero o manhã que cante
El nombre del hombre muerto
Não sejam palavras tristes,
Soy loco por ti de amores!

Um poema ainda existe
Com palmeiras, com trincheiras
Canções de guerra
Quem sabe canções do mar.
Ai hasta te comover
Ai hasta te comover...

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores...

Estou aqui de passagem
Sei que adiante
Um dia vou morrer
De susto, de bala ou vício
De susto, de bala ou vício...

Num precipício de luzes
Entre saudades, soluços
Eu vou morrer de bruços
Nos braços, nos olhos
Nos braços de uma mulher
Nos braços de uma mulher...

Mais apaixonado ainda
Dentro dos braços da camponesa
Guerrilheira, manequim, ai de mim
Nos braços de quem me queira
Nos braços de quem me queira...


Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores...



quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Hora do Almoço (Belchior)






No centro da sala,
diante da mesa,
no fundo do prato,
comida e tristeza.
A gente se olha,
se toca e se cala
E se desentende
no instante em que fala.

Cada um guarda mais o seu segredo,
sua mão fechada
sua boca aberta
seu peito deserto,
sua mão parada,
lacrada,
selada,
molhada de medo.

Pai na cabeceira: É hora do almoço.
Minha mãe me chama: É hora do almoço.
Minha irmã mais nova, negra cabeleira...
Minha avó me chama: É hora do almoço.



... E eu inda sou bem moço
pra tanta tristeza.
Deixemos de coisas,
cuidemos da vida,
senão chega a morte
ou coisa parecida,
e nos arrasta moço
sem ter visto a vida.

- ou coisa parecida 


sábado, 24 de novembro de 2012

nunca pensei que o amor fosse algo tão comum








amor,
me dê seu sorriso
embrulhado
num guardanapo
em um bar
escondido numa ladeira
de campina grande.
que eu levo pra casa e colo na parede do meu quarto perto da penteadeira suja de poeira]
e te amarei bem mais que ontem.


Rivaldo Júnior


ah, por favor.








todo mundo ama
ninguém desama.
esta é
a verdadeira
lei
do
cão.


Rivaldo Júnior


vadiagem









a vida 
é uma virgem
vadia.








Rivaldo Júnior

válvula mitral






dentro desse meu coração ruído
há uma espécie de liberdade embriagada
frágil solitária
dentro desse meu coração ruído
há pessoas, planos e afazeres domésticos
há coisas e causos
dentro desse meu coração ruído
há uma canção que não se ouve
houve perdas e obstáculos
e um futuro preso no passado
dentro desse meu coração ruído
há uma saída, uma voz
um tom surdo pálido doente
dentro desse meu coração ruído
eu creio que há uma velha esperança
da juventude que queria ver o dia nascer feliz
por um triz
havia eu
dentro desse meu coração ruído.


Rivaldo Júnior

reticências








a, v, i, d, a, é, m, u, i, t, o, c, u, r, t, a, p, r, a, g, e, n, t, e, p, a, r, a, r, e, m, c, a, d, a, v, í, r, g, u, l, a, q, u, e, a, p, a, r, e, c, e...


Rivaldo Júnior

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Poema Tirado de uma Notícia de Jornal (Manuel Bandeira)






João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número]
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Dona da Minha Cabeça (Geraldo Azevedo)







Dona da minha cabeça ela vem como um carnaval,
E toda paixão recomeça, ela é bonita, é demais.
Não há um porto seguro, futuro também não há,
Mas faz tanta diferença quando ela dança, dança.

Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, bonita

Dona da minha cabeça quero tanto lhe ver chegar
Quero saciar minha sede milhões de vezes, milhões de vezes!
Na força dessa beleza é que eu sinto firmeza e paz
Por isso nunca desapareça...
Nunca me esqueça, eu não te esqueço jamais.

Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, bonita

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

são poucos os que realmente entendem



















há quinta à noite.
há dúvida.
há chico buarque.

há um corpo estirado verticalmente.
as ilusões desse mundo, ceifaram bons contadores de histórias.
e as cordas falam a língua 
dos que nunca souberam ser.

Rivaldo Júnior

Poema guardado dentro de um álbum de fotografias antigo








vou fazer um anúncio
numa página de jornal
pra tentar encontrar

velhos amigos desaparecidos
velhas promessas esquecidas
e memórias tão antigas
que não sei bem onde
em qual gaveta guardei.

esse anúncio não tem texto
não tem espaço
não tem esperança

passa lá no laço desatado,
o passo dado ao lado do passado 

e nada do que foi será.

Rivaldo Júnior


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

pode passar a máquina 2, senhor.







já não vale a insensatez da condição plena
que transborda no vácuo de sentir-me um homem.
as palavras ditas,
mal ou/e bem,
e as pessoas que passam pela rua.

eliminemos os adjetivos que só dão preguiça ao leitor.

já batia dezesseis horas
quando a tesoura

meu reflexo desfigurado
e a angústia
e o pesadelo
e as moscas quentes

no alto daquela gaiola
bem alimentado
bem cuidado
bem amado
um pássaro invisível canta no meu peito
porque nada pode ser tudo que a gente tem.

Rivaldo Júnior


terça-feira, 25 de setembro de 2012

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

poema do senhorzinho que sofria de alzheimer








um senhorzinho tinha alzheimer.
ele sabia que tinha alzheimer,
mas se esquecia que tinha alzheimer.
e não tinha nada.


Rivaldo Júnior






quinta-feira, 20 de setembro de 2012

quanto mais velho, melhor, meu amor.





aceite
minha prece sofrida,
querida,

tão doce...
foi-se o último gole do vinho português.

que desperdício. 


Rivaldo Júnior 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Maracatu Misterioso (Antonio Nóbrega)





Quem, quem vem, quem vem lá?
Quem, quem vem, quem vem lá?
Que cortejo é aquele, senhor?
Vindo aqui perguntar, quem vem lá?

Sou de casa, vim do Norte,
sou bonito, original,
Sou de paz, não sou de guerra,
vim brincar no carnaval.

Quem, quem vem, quem vem lá?...

Eu sou Misterioso,
como és Imperial.
Sou Mateus, sou Catirina,
na bexiga eu sou o tal.

Quem, quem vem, quem vem lá?...

Sou o Capitão Pereira,
sou madeira, sou fiel.
Esse boi que chega agora,
vem de lá dançar no céu.

Quem, quem vem, quem vem lá?...

Ê boi, ê boi, ê Boi Maravilhoso.
Ê boi, ê boi, venha logo se amostrar.
Ê boi, ê boi, ê Boi Misterioso.
Ê boi, ê boi, chegue logo pra dançar.

Que morra você, meu amor.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Amor e a loucura (Jean de La Fountaine)





No Amor tudo é mistério: suas flechas e sua aljava, sua chama e sua infância eterna.
Mas por quê o amor é cego?
Aconteceu que num certo dia o Amor e a Loucura brincavam juntos. Aquele ainda não era cego. Surgiu entre eles um desentendimento qualquer. Pretendeu então o Amor que se reunisse para tratar do assunto o conselho dos deuses. Mas a Loucura, impaciente, deu-lhe uma pancada tão violenta que lhe privou da visão.
Vênus, mãe e mulher, pôs-se a clamar por vingança, aos gritos. E diante de Júpiter, Nêmesis - a deusa da vingança - e de todos os juízes do Inferno, vênus exigiu que aquele crime fosse reparado. Seu filho não podia ficar cego.
Depois de estudar detalhadamente o caso, a sentença do supremo tribunal celeste consistiu em condenar a Loucura a servir de guia ao Amor eternamente.


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

tudo isso digo enquanto espero sair daqui




tão angustiante é ser peixe de aquário.
- disse o homem-peixe de cabeça de ar.
astronautas, viagens periféricas
mostram a subserviência popular da revolta
tudo é peixe, feixe e desastres naturais.
a fuga para a terra prometida,
na estrada repetida do lobo frontal.

dentro do espaço semiaberto dos teus olhos azuis
a cor do meu sonho que se manifesta 
em oração.

esperava algo além do meu silêncio -
tudo é clichê, meu jovem poeta.
todas as pessoas sabem, não creem e mentem pra si mesmas.

mesmo que o universo ao meu redor
seja apenas palpável à sombra da redoma de vidro
não ousaria, eu, ultrapassar os limites da minha mente.
não querer pode não ser querer, poder, coisas afins e frias.

esvaziar-se do seu próprio vazio, é ganhar do mundo a plenitude do nada.
nada mais.


Rivaldo Júnior

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Pra Você Dar o Nome (5 a Seco)





Deixa pra lá,
Que de nada adianta esse papo de "agora não dá".
Que eu te quero é agora e não posso e nem vou te esperar,
Que esse lance de um tempo nunca funcionou pra nós dois.


Sempre que der
Mande um sinal de vida de onde estiver, dessa vez.
Qualquer coisa que faça eu pensar que você está bem
Ou deitada nos braços de um outro qualquer, que é melhor


Do que sofrer
De saudade de mim como eu to de você, pode crer!
Que essa dor eu não quero pra ninguém no mundo...
Imagina só, pra você.


Quero é te ver
Dando volta no mundo indo atrás de você, sabe o quê,
E rezando pra um dia você se encontrar e perceber
Que o que falta em você sou eu .


terça-feira, 14 de agosto de 2012

Juro Por Deus (Filipe Catto)






Juro por Deus, já pensei até mesmo em provar do extremo
De misturar sonrisal, guaraná, rum, cachaça e veneno.
Ou barbitúricos batizados de bourbon.
Quando você me deixou
Dormindo em casa e foi à zorra, amor.

Juro por Deus, já olhei tantas vezes pro quintal
Um nó bem dado bem na corda do varal.
Pra te punir, ou não, quem vai saber?
Não me surpreenderia tua alegria mórbida ao amanhecer

Foi quando o samba chorou outra vez,
E o nó pesado esquecido no peito desfez...
E eu me banhei, eu me perfumei,
E então decidi:
Usar o decote mais abusado que existir.

E eu vou abrir a fenda até o meu umbigo!
E eu vou dormir com aquele teu melhor amigo.
E me matar de ciúme por ti?
Ah! Por favor!
Se é pra morrer,
Que morra você, meu amor.


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

enquanto desço as escadas.





desapegar-se é enfado mais tristonho
quem dera que o meu sonho
ficasse perto de mim.

felicidade é constante infinita
enquanto a vida é bonita
e eterna antes do fim.

mas eu te peço pro bem do meu coração
que tua falta mais não
me deixe tão triste assim.

pois sem você, eu vou morrendo a cada dia
dentro da melancolia
de viver sem ti, enfim. 



Rivaldo Júnior

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Noite Fria (Lira)





Eu lembro da fotografia
Brincando na neve em Dublin.
O mesmo sorriso,
A mesma melancolia.

E num telefone outro dia,
Gargalhadas no bar em Sofia.
O mesmo desprezo,
A mesma ironia.

Aqui de tão longe eu sinto
A mesma distância de antes.
Cantar sobre as placas luzentes,
Viver nas tavernas de lama,
Olhando a rua vazia,
Pensando em mudar de casa...
O mesmo motivo,
A mesma incerteza,
A mesma melancolia.

Eu lembro da fotografia -
Você e o céu de Glasgow.
O mesmo sorriso,
A mesma fisionomia.

Recebi uma carta tardia
Num guardanapo de um bar em Berlin.
A mesma tristeza,
A mesma caligrafia.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Poética (Manuel Bandeira)








Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.]

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação 


domingo, 22 de julho de 2012

todos os dias, ainda faço questão de me afogar na tua falta







como se não se encaixar em formas e jeitos
entre modos distintos
jeitos perfeitos e gentes.
o poeta é aquele que sente 
diferente o que todo mundo sente, assim.
ser diferente. somos todos – digo.

ler drumonnd em versos poucos aos domingos e aos sábados e aos feriados
em tempo.
pouco a pouco percebemos o quanto as pessoas que passam
passam
passam
passam
passam
- repetição desnecessária do autor... ênfase hiperbólica da separação.
como encontrar o que falta entre tantos que faltam,
faltam pessoas
faltam-me.
preciso encontrar quem ache um pouco mais disso.
nem todas as pessoas do mundo parecem entender
quem e como
somos hoje em dia.

não repare nisso tudo, algo além de nós e sós.
não há e nem que houvesse, mas se puder
e quiser
voe e voe para sempre.
e vá.

Rivaldo Júnior

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Reconstituição (Elisa Lucinda)








Tive de repente
saudade da bebida que eu estava bebendo...
tive saudade e tentei me lembrar que gosto faltava,
qual era a bebida...
Fui procurando entre copos e móveis
e dei com sua boca.

A saudade era dela

A bebida era o beijo.




segunda-feira, 2 de julho de 2012

Cotovia (Manuel Bandeira)



- Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que saudades me deixaste?
- Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.
- Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
- Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .

- E esqueceste Pernambuco,
Distraída?

- Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.

- Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!

- Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
- Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria. 


sábado, 23 de junho de 2012

poema pra rosa






rosa, que fala,
que cala e consente
me diz, a semente
que faz-te chorar...

vão dizer que os poetas nada mais são hoje em dia
que o fruto das atividades
cada vez mais necessárias
de técnicas de jardinagem.

ah, rosa.
janela que venta na friagem.
sai daí pra não pegar gripe, menina.
cuida, rosa, venha amarrar as fitinhas de nosso senhor do bonfim
quem tem mais valor.
envelhecer é santo.

o cravo desmaiado é pura enganação.
rosa chora por que ele vem mais não.
não mais pra ali. 
Rivaldo Júnior

Fogo sem fuzil (Luiz Gonzaga)






Eu esse ano vou me embora pro sertão,
Pra dançar pelo São João, farrear com mais de mil...
Ver os velhotes atirar de granadeiro
E a moçada no terreiro tira fogo sem fuzil!


E a meninada brinca de "ané",
Pamonha e café sempre na mesa.
E as moreninhas pra servir com alegria
Quando for no outro dia
Tem buchada com certeza.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

poema do bêbado claustrofóbico






sinto-me condenado ao tempo.
quando tempo há em mim.
fim.
entende?
the end.
sim.
sente... ainda é cedo.
e meu medo corre aqui.
entre o entre e o agora.
agora...
que seja.
mais uma cerveja por favor.
faça o favor.
 


Rivaldo Júnior 

sexta-feira, 8 de junho de 2012

reinados e impérios da américa portuguesa




assim terei
teu rei
de roma.
do coma inacabado.
não sei.
a ceia,
o sangue que corre na veia
no vil vinho volumado.
antena de televisão.
a cruz se finca ao chão.

o fato rompeu a louca lei da soma.
some-te-me daqui!

Rivaldo Júnior 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Se os tubarões fossem homens (Bertold Brecht)



Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?

Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adotariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.
Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.
O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.
Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.
Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.
Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.
Se os tubarões fossem homens também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.
Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

aquele homem que chorava, já não chora mais




Há um vazio que preenche-me tão cedo.
Das coisas poucas, que não faço desde o fim
Da rendição da minha palavra, feita assim
Que o sol se pôs e abriguei-me no meu medo.

Conduzo meus passos em traços de segredo
Há milhas de distância de dentro de mim.
Volto pro espaço do tempo d’onde vim
Pro último ato que falta nesse enredo.

Se existira algo vivo batendo em meu peito
Não mais sobrevive, só resta o trauma
E viver só se torna um forçado direito.

Vinde fria saudade, me abraça em tua calma
Pois o que nunca fiz, jamais há de ser feito.
Um salve pros fracos de corpo e de alma!

Rivaldo Júnior

segunda-feira, 28 de maio de 2012

aquela velha calça desbotada, ou coisa assim


















o que seriam desses detalhes tolos que só agora me vêm a tona se não fosse nós.
o que seriam deles sem a minha memória atrasada
que já não vale mais nada.
o que seria do moletom vermelho
manchado na manga esquerda
sem as noites frias que passamos longe
e a mancha de leite de magnésia
e a virose
e os dias úmidos ao sol.
o que seria daquela tua blusa
I Love Rio
com o terceiro e o quarto botão,
se eu não os tivesse arrancado
e o que seria do teu sutiã, também.
o que seria daquele cd do Roberto
tão triste
que amargurávamos nós dois
entre nós
entre teus óculos de armação vermelha
e minha barba nunca feita
e o chão do meu apartamento
e a chuva doce no basculante alto
e os teus braços frios no meu abraço.
o que seria daquele teu batom que nunca gostei da cor,
mas que preferi não te dizer,
sem os teus beijos manchando minha regata branca
mal tirada
mal jogada
e mal vestida.
o que seria daqueles meios-dias de domingo
ressacados
do teu sorriso forçado ao bom dia no pé do ouvido
do meu braço
dos teus cabelos
do teu sono

seriam e iam ser
o que se fora
já que o hoje nada mais é que o futuro do passado.
pretérito mais que perfeito.

por exemplo,
o que será do teu próximo sete de setembro 

sem o meu violão,
e a minha moto,
e ipanema ao entardecer
e os sorrisos
e as promessas
e as besteiras faladas ao mar
e o mar.

lembra? te prometi que faríamos tudo outra vez.

o que será de mim
sem a tua inconstância
sem a tua presença
sem a tua desavença
tua provocação
teu lábio inferior mordido
teu sorrir com os olhos
teu cheiro de vida na minha cama
que insiste em não acordar.

vou juntar-me a esses detalhes
tão pequenos de nós dois
coisas grandes demais pra se esquecer.
espero que não nos esqueça.
eu não esqueço
e nem adianta mais tentar.
Rivaldo Júnior

quinta-feira, 24 de maio de 2012

como são inspiradores, os pingos de chuva!




um dia de chuva é bem deprimente
o mundo chora lá fora,
aqui dentro, a gente sente.

sinto tudo isso
daquilo que não minto mais nada.
as nuvens cinzas, a garoa
tanta vida boa à toa.
escoa.
enxurrada.

um dia de chuva merecia um final feliz.
não fiz.
fez-se.
talvez se as coisas fosses postas
as respostas fossem dadas
cada face fosse dita
e as ditas nuvens não viessem...

poderia desarmar o guarda-chuva e olhar para cima
e esperar chover uma última rima
pra esse pobre poema
- que pena!

chega cá, venha.
eterniza
inferniza
paralisa
catequiza
ameniza...

te gosto muito, basta.

Rivaldo Júnior