quarta-feira, 13 de julho de 2011

Primeiro diálogo com Deus (Sonia Carneiro Leão)

 










 






                Acordei. Deus estava sentado, exausto, na sala de jantar.
                Aproximei-me dele, que me olhou contrito, a expressão de viajante sem rumo nem bagagem. Quis ajudá-lo. Ofereci-lhe água, o que aceitou, bebendo dois goles fartos,
                Devolveu-me o copo, vazio, o qual guardei em seguida.
                Voltei à sala. Continuava ali, esperando por mim.
                Parecia traquilo e ansioso ao mesmo tempo, se é que isto é possível.
                - Deus, Tu és contraditório. Amas incondicionalmente o justo e o bandido, como o Cristo, no alto do Corcovado, eternamente de braços abertos.
                - Esta é a razão do meu cansaço, esse amor por toda criatura.
                - Deus, não vês que sofro?
                - Sofro contigo.
                - Mas, pra que o sofrimento? Tu o inventaste?
                - Tudo foi criado por mim.
                - Pra quê?
                - Ainda não sei – retrucou num olhar só alma.
                - Deus, não tens resposta? És como sou?
                - Sim.
                - Por quê?
                - Preciso.
                Meu corpo escorregou pelo sofá até o chão.
                - Vieste aqui na minha casa...
                - Conversar. Vivo tão só.
                - Teu sofrimento é infinito, ninguém para entender-Te.
                - Não há o Tempo. Tudo é simultâneo, princípio, meio e fim.
                - E agora – quis saber – em que momento estamos?
                - No eterno. Sempre no eterno.
                - Deus, não compreendo.
                - E quem disse que devias?
                - Bem, mas estamos nos comunicamos, não estamos?
                - No Amor. Só há comunicação no Amor.
                - Então, somos dois?
                - Somos Um.
                Mais uma vez supliquei:
                - Explique!
                Carinhosamente, Deus me tomou pelas mãos e levou-me de volta para o quarto. Beijou-me a face e sumiu, deixando-me sozinha diante do Absoluto.
                Não tive medo. Bocejei feliz e fui dormir novamente.

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