terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Nas voltas do meu coração


Tal como o ator que baseia sua arte na representação fiel do que não é, eu tento fazer-lo com as minhas palavras. Prefiro, e digo isso sinceramente, deixar meu eu-lírico satisfazer-se da possibilidade de se tornar real e fluir entre as minhas letras dando corpo ao meu texto. Porém, por mais que eu relute, há vezes onde minha cara não pode escapar. Este texto, por exemplo, é fruto de uma experiência que não só vivi como trato de pôr-la no papel o mais rápido possível, antes que as lembranças desapareçam da minha memória e eu perca mais uma ânsia de inspiração, como já acontecera antes com outros poemas e crônicas. Tanto assim, este mesmo texto viria ao mundo em forma de poema, quem sabe um soneto, mas a rima e a métrica – que ultimamente venho buscando – me cansam e me aborrecem. Vai assim, como crônica. Talvez nem sequer a termine. Enquanto ao título, e esta oração que acabas de ler, vêm como remendo do texto logo que o finalizei, Chico me sugeriu e eu aceitei. As coisas passam depressa e nós temos de acompanhar. Mas paro segundos comigo para contar-vos o que tenho a dizer.

Aconteceu que na noite de natal, no dia 25 mesmo e não na véspera de festa, resolvemos sair à rua para respirar o que ainda sobrava do espírito natalino. Pôr as crianças no parque, velar o menino Jesus de barro posto no presépio montado na praça e, se coubesse tempo e espaço na matriz, assistir a missa do dia. Não coube, nem uma coisa nem outra. Devido ao nosso desleixo a missa já havia acabado e a multidão se retirava lentamente da igreja. A nuvem de fumaça cheirosa a incenso escapava pelas janelas e os sinos badalavam perenemente. A rua estava cheia. Luzes e papais-noéis enfeitavam as avenidas ainda molhadas de uma chuva de verão que caíra logo cedo. Havia música em algumas casas e dois bêbados celebravam o dia dançando juntos uma versão do Jingle Bell em pagode.  Barracas de confeitos mantinham a tradição entre bolos de mandioca e o cheiro doce do açúcar de confeiteiro. Meu avô, quando vivo e novo, montava em todas as festas sua banca de confeitos. Fosse qualquer festa, do padroeiro ou de emancipação municipal, lá estava ele e seus seis filhos homens negociando alfenins e rapaduras. O gosto enjoativo de uma castanha caramelada adocicou a minha boca, passei logo o pacote pro meu sobrinho. Continuamos, as crianças já reclamam. Vamos aos brinquedos.

Mas antes, não posso deixar de citar que encontrei um amigo no caminho. Confesso aqui que não o quisera encontrar e aqui digo pois sei que ele não me lê. Havia tempos que não o via, contudo não tanto havia vontade de vê-lo. Não obstante fui simpático. Falei das novidades, da vida, das moças e ele pareceu querer ouvir. Despediu-se e apressei para acompanhar os outros.

A multidão se aglomerava próximo aos parques, que nada mais eram que estruturas feitas para enganar os pequenos e tirar-lhes o enfado da aglomeração. Crianças choravam e sorriam em balanços de madeira e rodas-gigantes e arrastavam seus pais bobos e cautelosos para a margem dos brinquedos. Uma gambiarra de lâmpadas amarelas iluminava a rua estreita e lotada.  Meus pequenos, um sobrinho e dois primos, logo cismaram em subir num carrossel. A estrutura, confesso, não era muito confiável. Lataria e madeira formavam um complexo colorido e giratório. Cavalos, elefantes, camelos e algo, que se não me engano assemelhava-se a uma lhama andina, giravam carregando crianças e sorrisos. A ferrugem das grades manchara meus dedos de vermelho. E eu, de modo desajeitado, sujei minha calça tentando livrar-me da mácula rubra. Xinguei e me escorei num poste. Uma coisa porém, me atinou. Mesmo com a preocupação excessiva dos pais e o vai-e-vem de crianças subindo e descendo do brinquedo, os pequenos corriam e subiam na diversão arrastando consigo dúzias de sorrisos. Neste momento, que também posso colocar como a concepção desse texto que agora escrevo, uma metáfora pertinente me veio à cabeça.

Tão íngreme e perigosa é a vida. E tão frágil somos. Carregamos a nossa existência de modo a se adaptar e estar pronto a subir no embalo da caminhada. Giramos. Damos voltas.  Vamos e voltamos. As pessoas nos vêm e vão como os carrosséis. Subimos e descemos. Ora estamos por cima, ora somos forçados a descer e a até mesmo parar e decidir o caminho, do modo das rodas-gigantes. E, por vezes caímos. Nos machucamos. Nos adiantamos demais. Somos forçados a parar. E recomeçar. E toda a estrutura que nos mantêm apoiado, há de nos acompanhar se a construímos de maneira sólida. Embalamos num sonho. E quando menos esperamos, estamos nós sorrindo outra vez, deitados na felicidade proporcionada pela inconstância da vida. Pelas imagens que parecem serem dignas de serem reconquistadas a cada rotação. E adoramos tudo isso por que sabemos, assim como as crianças, que cada recomeço é uma nova oportunidade de observar as coisas e as pessoas por um novo ângulo e mais uma centelha de tempo para que ainda mais possamos ser felizes.

Um movimento em uma manivela que ficava próxima à entrada fez o brinquedo parar. Os meninos desceram para o encontro de seus pais. A noite já se bastava. Mais algum algodão-doce, um pacote de pipoca amanteigada e uma tentativa de acertar o alvo com uma espingarda de chumbinho preencheram o lazer das crianças. Minha noite já estava cheia. Já encontrara o que viera procurar. A noite ainda continuava alta quando eu cheguei em casa. E eu já me alteava quando a noite em mim chegou.
Rivaldo Júnior
                                                      

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