segunda-feira, 29 de abril de 2013

minha veneração aos anjos.



eu não sou muito de escrever nesse estilo. como já pôde ser visto, minha área mesmo é poesia, e vez ou outra um conto arriscado. mas ultimamente, inspirado principalmente por dois fatores recentes, me acendeu essa vontade de aproximar minha poética à realidade, e construir textos mais táteis que líricos. cada qual com sua graça. o primeiro fator que me influencia falar de outra forma aquilo que digo foi um recente trabalho para a universidade propondo-nos um ensaio. a liberdade dos ensaios e das crônicas são, de forma singular, alívios em meio a tanto formalismo. o segundo e mais importante, foi a influência de um bom amigo (Guilherme Mota, e seu blog bula do pensamento) e a franqueza com que suas palavras interferem no curso natural das coisas, explodem a realidade e tiram uma seiva de filosofia por trás desse cotidiano tão mecânico que vivemos. bem, o propósito desse texto nasceu daí. 
vi, dele, um texto que mostra como uma notícia vista no jornal nacional marcou a sua realidade (em termos resumidos, um pai que se joga sobre a filha em um tiroteio, entregando à bala a sua vida - me perdoem a frieza do resumo, mas as poucas palavras têm esse efeito e a notícia é bem melhor retratada no blog dele, acesso pelo link supracitado). a notícia é muito triste, mas o autor a trata de tal modo que mais importante que a tragédia real é a lição deixada. um herói.
o meu relato também fala de uma notícia vista no jornal nacional. hoje ainda. uma briga num restaurante, dois homens, duas irmãs e filhas, um revólver, três tiros, uma vítima, um choro. a filha mais nova de um senhor que reclamou da conta de um restaurante de goiás tornou-se vítima de uma covardia incomensurável, quando se jogou na frente do pai, tentando protegê-lo de um monstro que, mesmo vendo duas crianças abraçadas ao pai, dispara três tiros fatais. terminou a notícia, permaneci parado na frente da televisão, em pé e encostado na parede. engoli seco, aguentei.
o amor é o sentimento mais desesperado que existe. perde-se a vida pela pessoa amada. não tem como ficar indiferente à cena do sacrifício. uma criança. william bonner continuou o noticiário, mas eu já não pensava mais. uma criança. por que? qual o valor que formamos hoje em dia? uma criança morta. não tem como não chorar. é vergonhoso saber a que ponto de insensibilidade chegamos. troca-se vidas como trocos de bala. é melhor destruir tantos sonhos que sair por baixo da situação. claro, não se pode ficar por baixo, é preciso descontar. em quem? uma criança?
queria muito poder sonhar com um dia em que meus filhos não precisem saber o significado da palavra arma nem muito menos que homens a utilizam para sanar suas fragilidades de caráter à custa de vidas. uma criança como muitas outras, com sonhos, esperanças, ricas, pobres, teimosas, sorridentes... como meus filhos!
o que fazer além de escrever meu choro e enxugar minhas palavras? apenas nos resta nossa incapacidade. nosso horror em meio a tudo isso. nosso desespero coletivo compartilhado com o pai. meus sentimentos que não se traduzem em frases.
o fim dessa história difere da do meu amigo. não vejo lição no meu causo. vejo dor e vergonha. e só. e uma criança heroína, que também, sim também, me marcará para sempre.

Talvez (Pablo Neruda)




Talvez não ser
é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando
o meio dia com uma
flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém
soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,
rajada de roseira,
trigo do vento,

E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos...

sábado, 27 de abril de 2013

humor aquoso


meu último lamento
vai ser aquilo que encontrei
dentro do lado de dentro do lado
desses teus dois olhos grandes.

vejamos bem, isso tudo não foi/é por acaso.
melhor seria, talvez, se pudéssemos criar nosso único universo
sem interferências
nem desilusões.
mas assim, já tão tarde,
o espelho manchado de sabonete e vapor,
não resta dúvidas.

podemos tentar mais uma vez,
há sempre uma nova possibilidade para sofrermos juntos.
e, não, não acredito mais em tantas mentiras.
já são sete da noite, veja, a rua está vazia.

vazia.

a gente deixar voar.
o vento traz de volta.
pra dentro dos olhos.
sim, eu sei,
sou eu a angústia
que escorre desses teus dois olhos grandes.

Rivaldo Júnior

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O céu é mais azul ao meio-dia





eu no chão
olho pro céu
e vejo um pássaro voando.
o pássaro voando
parece que nada
no azul infinito.
ele não pode
sequer imaginar
que eu o vejo
voando como quem nada.
eu olhando para o céu
também voo.
e vamos nós dois
voando e nadando.
ele lá e eu cá
não podemos imaginar
que as coisas
que são
como são,
assim são
porque assim deve ser.


Rivaldo Júnior