quinta-feira, 26 de julho de 2012

Noite Fria (Lira)





Eu lembro da fotografia
Brincando na neve em Dublin.
O mesmo sorriso,
A mesma melancolia.

E num telefone outro dia,
Gargalhadas no bar em Sofia.
O mesmo desprezo,
A mesma ironia.

Aqui de tão longe eu sinto
A mesma distância de antes.
Cantar sobre as placas luzentes,
Viver nas tavernas de lama,
Olhando a rua vazia,
Pensando em mudar de casa...
O mesmo motivo,
A mesma incerteza,
A mesma melancolia.

Eu lembro da fotografia -
Você e o céu de Glasgow.
O mesmo sorriso,
A mesma fisionomia.

Recebi uma carta tardia
Num guardanapo de um bar em Berlin.
A mesma tristeza,
A mesma caligrafia.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Poética (Manuel Bandeira)








Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.]

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação 


domingo, 22 de julho de 2012

todos os dias, ainda faço questão de me afogar na tua falta







como se não se encaixar em formas e jeitos
entre modos distintos
jeitos perfeitos e gentes.
o poeta é aquele que sente 
diferente o que todo mundo sente, assim.
ser diferente. somos todos – digo.

ler drumonnd em versos poucos aos domingos e aos sábados e aos feriados
em tempo.
pouco a pouco percebemos o quanto as pessoas que passam
passam
passam
passam
passam
- repetição desnecessária do autor... ênfase hiperbólica da separação.
como encontrar o que falta entre tantos que faltam,
faltam pessoas
faltam-me.
preciso encontrar quem ache um pouco mais disso.
nem todas as pessoas do mundo parecem entender
quem e como
somos hoje em dia.

não repare nisso tudo, algo além de nós e sós.
não há e nem que houvesse, mas se puder
e quiser
voe e voe para sempre.
e vá.

Rivaldo Júnior

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Reconstituição (Elisa Lucinda)








Tive de repente
saudade da bebida que eu estava bebendo...
tive saudade e tentei me lembrar que gosto faltava,
qual era a bebida...
Fui procurando entre copos e móveis
e dei com sua boca.

A saudade era dela

A bebida era o beijo.




segunda-feira, 2 de julho de 2012

Cotovia (Manuel Bandeira)



- Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que saudades me deixaste?
- Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.
- Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
- Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .

- E esqueceste Pernambuco,
Distraída?

- Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.

- Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!

- Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
- Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.