quarta-feira, 30 de maio de 2012

aquele homem que chorava, já não chora mais




Há um vazio que preenche-me tão cedo.
Das coisas poucas, que não faço desde o fim
Da rendição da minha palavra, feita assim
Que o sol se pôs e abriguei-me no meu medo.

Conduzo meus passos em traços de segredo
Há milhas de distância de dentro de mim.
Volto pro espaço do tempo d’onde vim
Pro último ato que falta nesse enredo.

Se existira algo vivo batendo em meu peito
Não mais sobrevive, só resta o trauma
E viver só se torna um forçado direito.

Vinde fria saudade, me abraça em tua calma
Pois o que nunca fiz, jamais há de ser feito.
Um salve pros fracos de corpo e de alma!

Rivaldo Júnior

segunda-feira, 28 de maio de 2012

aquela velha calça desbotada, ou coisa assim


















o que seriam desses detalhes tolos que só agora me vêm a tona se não fosse nós.
o que seriam deles sem a minha memória atrasada
que já não vale mais nada.
o que seria do moletom vermelho
manchado na manga esquerda
sem as noites frias que passamos longe
e a mancha de leite de magnésia
e a virose
e os dias úmidos ao sol.
o que seria daquela tua blusa
I Love Rio
com o terceiro e o quarto botão,
se eu não os tivesse arrancado
e o que seria do teu sutiã, também.
o que seria daquele cd do Roberto
tão triste
que amargurávamos nós dois
entre nós
entre teus óculos de armação vermelha
e minha barba nunca feita
e o chão do meu apartamento
e a chuva doce no basculante alto
e os teus braços frios no meu abraço.
o que seria daquele teu batom que nunca gostei da cor,
mas que preferi não te dizer,
sem os teus beijos manchando minha regata branca
mal tirada
mal jogada
e mal vestida.
o que seria daqueles meios-dias de domingo
ressacados
do teu sorriso forçado ao bom dia no pé do ouvido
do meu braço
dos teus cabelos
do teu sono

seriam e iam ser
o que se fora
já que o hoje nada mais é que o futuro do passado.
pretérito mais que perfeito.

por exemplo,
o que será do teu próximo sete de setembro 

sem o meu violão,
e a minha moto,
e ipanema ao entardecer
e os sorrisos
e as promessas
e as besteiras faladas ao mar
e o mar.

lembra? te prometi que faríamos tudo outra vez.

o que será de mim
sem a tua inconstância
sem a tua presença
sem a tua desavença
tua provocação
teu lábio inferior mordido
teu sorrir com os olhos
teu cheiro de vida na minha cama
que insiste em não acordar.

vou juntar-me a esses detalhes
tão pequenos de nós dois
coisas grandes demais pra se esquecer.
espero que não nos esqueça.
eu não esqueço
e nem adianta mais tentar.
Rivaldo Júnior

quinta-feira, 24 de maio de 2012

como são inspiradores, os pingos de chuva!




um dia de chuva é bem deprimente
o mundo chora lá fora,
aqui dentro, a gente sente.

sinto tudo isso
daquilo que não minto mais nada.
as nuvens cinzas, a garoa
tanta vida boa à toa.
escoa.
enxurrada.

um dia de chuva merecia um final feliz.
não fiz.
fez-se.
talvez se as coisas fosses postas
as respostas fossem dadas
cada face fosse dita
e as ditas nuvens não viessem...

poderia desarmar o guarda-chuva e olhar para cima
e esperar chover uma última rima
pra esse pobre poema
- que pena!

chega cá, venha.
eterniza
inferniza
paralisa
catequiza
ameniza...

te gosto muito, basta.

Rivaldo Júnior

terça-feira, 15 de maio de 2012

Assinado eu (Tiê)




Já faz um tempo que eu queria te escrever um som.
Passado o passado, acho que eu mesma esqueci o tom.
Mas sinto que eu te devo sempre alguma explicação.
Parece inaceitável a minha decisão.
Eu sei.

Da primeira vez quem sugeriu,
Eu sei, eu sei, fui eu.
Da segunda quem fingiu
Que não estava ali também fui eu.
Mas em toda a história,
É nossa obrigação
Saber seguir em frente,
Seja lá qual direção.
Eu sei.

Tanta afinidade assim, eu sei que só pode ser bom.
Mas se é contrário, é ruim, pesado, e eu não acho bom.
Eu fico esperando o dia que você
Me aceite como amiga,
Ainda vou te convencer.

Eu sei.

E te peço, me perdoa,
Me desculpa que eu não fui sua namorada,
Pois fiquei atordoada,
Faltou o ar,
Faltou o ar.

Me despeço dessa história
E concluo: a gente segue a direção
Que o nosso próprio coração mandar,
E foi pra lá, e foi pra lá.


quarta-feira, 9 de maio de 2012

o que é próprio das aves que se propõem a falar




senhor, pai santo, que tudo ouves e tudo sabes.
não deixai que essa pobre criatura de penas e bico
seja responsável pela dor do mundo.
já fui, já fiz, já não mais faço, prometo!

a única diferença entre mim e o mundo é a posição do espaço.
eu vivo dentro de mim.
o mundo vive fora de si.
nada cabe perfeitamente no mesmo espaço ao mesmo tempo.
nada merece tanto.

o único problema do afogado é a água em excesso.
sua mágoa revigora nas ladeiras tímidas
cúmplices
transeuntes desorientados entre gentes e ninguém.

não passe a música, gosto dessa, como é mesmo?
"- como quem partiu ou morreu..."

o único problema pai,
é que giramos todos em órbita elíptica
e viramos pó do mesmo pó.


Rivaldo Júnior

terça-feira, 8 de maio de 2012

Infância (Carlos Drummond de Andrade)


                    
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras.
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

quinta-feira, 3 de maio de 2012