domingo, 17 de outubro de 2010

Poema de Sete Faces (Carlos Drummond de Andrade)

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.


O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.


O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.


Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Na Sua Estante (Pitty)

Te vejo errando e isso não é pecado,
Exceto quando faz outra pessoa sangrar
Te vejo sonhando e isso dá medo
Perdido num mundo que não dá pra entrar
Você está saindo da minha vida
E parece que vai demorar
Se não souber voltar ao menos mande notícias
Cê acha que eu sou louca
Mas tudo vai se encaixar


Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia

E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu



Você tá sempre indo e vindo, tudo bem
Dessa vez eu já vesti minha armadura
E mesmo que nada funcione
Eu estarei de pé, de queixo erguido
Depois você me vê vermelha e acha graça
Mas eu não ficaria bem na sua estante


Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia

E não adianta nem me procurar
Em outros timbres e outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu



Só por hoje não quero mais te ver
Só por hoje não vou tomar minha dose de você
Cansei de chorar feridas que não se fecham, não se curam
E essa abstinência uma hora vai passar...

domingo, 10 de outubro de 2010

Tenho medo


Tenho medo de me encontrar.
Tenho medo de me perder.
Tenho medo de me achar.
Tenho medo.

Na vidraça fria, lágrimas escorrem.
O mundo chora.
O frio me renega a vida,
O sangue d’alma escorre dos meus olhos.

Dói
Fere
Mata.

O cobertor já não me faz companhia. 
Rivaldo Júnior

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Cavador do Infinito (Cruz e Souza)

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros [inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em [lava
E o cavador se perde nas [distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!

sábado, 2 de outubro de 2010

Monólogo de Hamlet (William Shakespeare)


Ser, ou não ser - eis a questão.
O que é mais nobre para a mente sofrer
Os dardos e setas de destino cruel
Ou pegar em armas contra um mar de desgraças
E pela resistência pôr-lhes fim? Morrer, dormir;
Nada mais? E com o sono, dizem, terminamos
O pesar do coração e os inúmeros naturais conflitos
Da carne herdados. Eis um epílogo
Devotamente desejado. Morrer, dormir.
Dormir - sonhar talvez. Eis a dificuldade.
Nesse sono da morte, que sonhos virão
Quando nos libertarmos do invólucro mortal
Devemos nos deter. Aí está a reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
Pois quem suportaria os insultos e desdéns do tempo,
A injúria do opressor, a afronta do soberbo,
As angústias do amor desprezado, a morosidade da lei,
As insolências do poder, e as humilhações
Que o mérito paciente tem do indigno,
Quando ele próprio pudesse encontrar repouso
Com uma lâmina nua?
Quem suportaria tão duras cargas,
Gemendo e suando sob uma vida penosa,
Se não fosse o temor de algo após a morte -
Região misteriosa, fronteira de onde
Nenhum viajante retornou - confundindo a vontade,
E impelindo-nos a suportar os males que nos afligem
Em vez de nos lançarmos a outras que não sabemos?
Assim nossa consciência nos faz covardes em tudo.
E assim a cor nativa de nossas resoluções
Se debilita na pálida sombra do pensamento,
E as empreitadas de maior alento e importância
Com semelhantes reflexões desviam seu curso
E perdem o nome de ação.